Ao longo das últimas décadas, tanto o número de pedidos como as razões invocadas para a nulidade têm variado
Os processos de nulidade matrimonial surgiram na Igreja com a necessidade de declarar nulos os matrimónios que não cumpriam os requisitos de validade exigidos pela Igreja. Ao longo das últimas décadas, tanto o número de pedidos como as razões invocadas para a nulidade têm variado.
Dados de 2012 do Annuarium Statisticum Ecclesiae, editado anualmente pelo Vaticano, mostram que deram entrada nos tribunais eclesiásticos em Portugal 151 pedidos de nulidade matrimonial, aos quais se juntaram mais de 200 casos que transitaram do ano anterior. São número extremamente pequenos para a realidade dos casamentos em Portugal (16.683 em 2012), mas que não correspondem à realidade das separações. De facto, o número de divórcios civis é muito mais elevado, e é sabido que muitos dos divórcios são de casamentos católicos, apesar de essa ser uma estatística impossível de ser feita, já que a Igreja não reconhece os divórcios civis como válidos e as conservatórias do registo civil não distinguem os divórcios originários em casamentos civis ou religiosos.
Apesar de poucos, os últimos anos têm registado um aumento contínuo dos pedidos de nulidade matrimonial. Em 2002 deram entrada nos tribunais em Portugal 105 pedidos, em 1982 apenas 17. Em todos estes anos, as razões invocadas para a nulidade encontram-se maioritariamente entre os cânones 1095 e 1107 do Código de Direito Canónico, que invocam «incapacidades de juízo acera dos deveres e obrigações que se devem assumir», segundo nos explica o Pe. Ricardo Ferreira, presidente do Tribunal Eclesiástico de Lisboa, que abrange ainda as dioceses de Setúbal e Santarém. A invocação destes cânones para a nulidade não tem sido uma constante ao longo da história. Em 1970, segundo o mesmo anuário estatístico, cerca de metade dos processos de nulidade (os dados apontavam para cerca de 100 processos em curso, sem indicação de quanto tinham dado entrada nesse ano) invocavam razões de não consumação do matrimónio, muito provavelmente devido aos casamentos “arranjados” entre famílias, ou que decorriam de pressões e escolhas condicionadas dos noivos.
Hoje, as razões invocadas abrangem mais questões de maturidade e são «transversais» a todos os extratos sociais. «Não podemos dizer que há um grupo específico que invocam mais este capítulo, é transversal, meios urbanos, rurais, é uma realidade que tem a ver com a própria natureza humana e com a formação dos nossos jovens que mais tardiamente têm consciência da necessidade de assumir responsabilidades», explica o presidente do tribunal do Patriarcado.
Este número não corresponde, no entanto, ao número de contactos que os tribunais recebem. «O número de contactos é muito superior ao número de processos iniciados em cada ano, mas é impossível saber estatísticas, porque às vezes é apenas um telefonema, ou pedimos o relatório preliminar do que sucedeu e depois as pessoas não redigem… enfim, há várias razões», explica o Pe. Ricardo Ferreira.
Apesar do aumento de casos, há um desconhecimento muito grande sobre os processos de nulidade do matrimónio, aliado ao facto de se terem criado muito mitos sobre o assunto. «Muitas das situações de divórcios poderiam ser regularizadas com a declaração de nulidade, e assim evitar o sofrimento de muitas pessoas», sustenta Pedro Vaz Patto, juíz do Tribunal Eclesiástico de Lisboa.
Neste sentido, procuramos, de seguida, desfazer alguns dos principais mitos que se criaram à volta da declaração de nulidade matrimonial.
A nulidade é como se fosse o divórcio para a Igreja
Muitos consideram que, fracassado o casamento, se pode pedir a anulação pelas mesmas razões que se pede o divórcio no civil. Tal não é verdade. Apesar de uma sentença de nulidade implicar o divórcio civil, o contrário não se verifica necessariamente, pois não é possível pedir a anulação do matrimónio contraído. Declarar nulo um matrimónio significa afirmar que, no momento em que pronunciaram os votos, nem todos os requisitos para esse pronunciamento estavam cumpridos. Na prática, significa dizer que o matrimónio nunca existiu de verdade, já que estava ferido de um ou outro requisito. Como tal, quem se pretende separar apenas porque a “relação não resultou”, ou porque “deixou de gostar”, não encontrará motivo válido dentro da Igreja para o fazer. Recebida essa declaração de nulidade, as pessoas podem contrair matrimónio válido pela Igreja, uma vez que, na prática, nunca o contraíram antes.
Os processos de nulidade demoram anos a começar
É comum ouvirmos dizer que os processos demoram anos entre o primeiro contacto e o seu términus. Mas tal não é bem verdades nos dias de hoje. Os processos demoram, em média, 1 ano e meio a serem concluídos (entre a primeira sentença e a confirmação do tribunal de 2ª instância), e esses são prazos que se mantêm estáveis. O que fazia os processos demorar muitos anos, no passado, era o início da instrução. Com tribunais com poucos recursos humanos, os processos estavam anos à espera de serem iniciados, mas essa é uma realidade em mudança nos dias de hoje. «Processos que deram entrada no início deste ano vão iniciar instrução em setembro», confirma o Pe. Ricardo Ferreira, que alerta para as condicionantes que surgem no processo e que podem tornar tudo mais demorado. «Os contactos com a parte interessada ou com a outra parte, que nem sempre são céleres, muitas vezes por causa da outra parte, que muda de casa, ou não responde. Se há uma testemunha que está noutra diocese ou fora do país, por exemplo, demorará sempre mais tempo a responder. Mas se tudo estiver centralizado aqui, em poucos meses iniciamos a instrução e entre 1 ano e 1 ano e meio é o tempo que é necessário para concluir», afirma. A Família Cristã contactou com uma pessoa que está com o processo de nulidade a decorrer em Lisboa, que confirmou esses prazos. A natureza do seu caso particular obrigou a um recurso a Roma e a demoras nas respostas da outra parte interessada, mas os timings confirmam os indicados pelo Patriarcado. Já em Lamego a realidade ainda não é tão célere a iniciar. «Neste momento [os dados foram fornecidos no final de julho], o TIV (Tribunal Interdiocesano Vilarealense) está a analisar os pedidos que deram entrada no ano de 2012», informa o Pe. José Alfredo Patrício, da diocese de Lamego.
No entanto, ambos os sacerdotes contactados pela Família Cristã confirmam a aposta que tem sido feita na formação de recursos humanos para dar respostas mais céleres aos pedidos que vão surgindo em cada vez maior número.
Os processos de nulidade são muito caros
Este é outro mito que se foi instalando ao longo dos anos, alimentado por advogados que cobram valores exorbitantes para defender as causas de nulidade. A Família Cristã sabe que há advogados em Lisboa que cobram 8 mil euros só para tratar de um caso de nulidade matrimonial, entre honorários e custas judiciais efetivas. «Isso é um perfeito disparate, porque está muito acima das custas dos tribunais, e são honorários que não fazem sentido», considera Pedro Vaz Patto. Quanto custa então um processo de nulidade no tribunal? «Os custos variam conforme as diligências necessárias. Se têm perícias, muitas testemunhas, diligências para outras dioceses ou estrangeiro, fica mais caro. Mas o custo normal ronda entre os 1000 e os 1500 euros em Lisboa», diz o Pe. Ricardo Ferreira. Em Lamego o custo situa-se «entre os 900 e os 1200 euros», segundo o Pe. José Alfredo Patrício. Mas até pode nem custar nada. Segundo o Anuário estatístico da Igreja, em 2012, 1/3 dos processos tiveram algum tipo de patrocínio, total ou parcial, da parte do tribunal, e já há décadas que é assim, já que os dados de 1985, primeiro ano em que é publicada essa informação, mostram que, dos 17 casos em julgamento nesse ano, 12 tiveram apoio e apenas 5 foram pagos na totalidade pelos requerentes. «Desde que façam prova, não é por falta de dinheiro que as pessoas não são atendidas. Até há pessoas a pagar em prestações, pelo que todos são atendidos», diz o Pe. Ricardo Ferreira. Em Lamego o processo é semelhante. «Quando as Partes não podem pagar as custas judiciais, requerem ao TIV a redução das custas ou, eventualmente, o patrocínio gratuito que, sempre que foi requerido, nunca foi negado», diz o sacerdote.
Nem o recurso a um advogado canónico é necessário no processo, já que o Tribunal eclesiástico presta todo o apoio legal necessário, pelo que é possível recorrer apenas ao tribunal para iniciar e conduzir todo o processo.
Não consigo pedir a nulidade porque a outra parte não quer
O processo de nulidade matrimonial exige que seja dada oportunidade a ambas as partes de se pronunciarem. Não é possível que uma parte trate do processo sem a outra ter conhecimento, mas isso não significa que o processo só avança com as duas partes. «Quando o libelo é entregue no tribunal eclesiástico, é aberto o processo de instrução. O processo é requerido por uma das partes, mas a outra parte tem de ser ouvida, ou tem de lhe ser dada oportunidade de ser ouvida, mesmo que ela não queira», explica Pedro Vaz Patto. Esta necessidade faz recuar muitas pessoas, já que acham que o processo se vai arrastar, ou mesmo terminar, caso a outra parte não queira participar nele. No entanto, se não houver resposta da outra parte, feitas as diligências oficiais, o processo segue na mesma, pelo que é possível obter a nulidade do matrimónio, mesmo que a outra parte não queira participar no processo.
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