Entenda: o mundo simplesmente não vai aplaudir você por ser católico - muito, muito pelo contrário.
São Francisco de Sales, em “Filoteia: Introdução à Vida Devota“,
nos abre os olhos a respeito do mundo e descreve como ele jamais vai se
dar por satisfeito com a nossa fé – se a nossa fé for autêntica, é
claro. Diz ele:
Assim que a tua devoção se for tornando conhecida no mundo,
maledicências e adulações te causarão sérias dificuldades de praticá-la.
Os libertinos tomarão a tua mudança por um artifício de hipocrisia e
dirão que alguma desilusão sofrida no mundo te levou por pirraça a
recorrer a Deus.
Os teus amigos, por sua vez, se apressarão a te dar avisos que supõem
ser caridosos e prudentes sobre a melancolia da devoção, sobre a perda
do teu bom nome no mundo, sobre o estado de tua saúde, sobre a
necessidade de viver no mundo conformando-se aos outros e, sobretudo,
sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios.
Filoteia, tudo isso são loucas e vãs palavras do mundo e, na verdade,
essas pessoas não têm um cuidado verdadeiro de teus negócios e de tua
saúde. Se vós fôsseis do mundo, diz Nosso Senhor, o mundo amaria o que
era seu; mas, como não sois do mundo, por isso ele vos odeia.
Veem-se homens e mulheres passarem noites inteiras no jogo; e haverá
ocupação mais triste e insípida que esta? Entretanto, seus amigos se
calam; mas, se destinamos uma hora à meditação ou se nos levantamos mais
cedo para nos prepararmos para a santa comunhão, mandam logo chamar o
médico para que nos cure desta melancolia e tristeza. Podem-se passar
trinta noites a dançar que ninguém se queixa; mas por levantar-se na
noite de Natal para a Missa do Galo, começa-se logo a tossir e a queixar
de dor de cabeça no dia seguinte.
Quem não vê que o mundo é um juiz iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de Deus?
Só nos pervertendo com o mundo é que poderíamos viver em paz com ele,
e impossível é contentar os seus caprichos. Veio João Batista, diz o
divino Salvador, o qual não comia pão nem bebia vinho, e dizeis: Ele
está possesso do demônio. Veio o Filho do Homem, come e bebe, e dizeis
que é um samaritano.
É verdade, Filoteia: se condescenderes com o mundo e jogares e
dançares, ele se escandalizará de ti; e, se não o fizeres, serás acusada
de hipocrisia e melancolia. Se te vestires bem, ele te levará isso a
mal, e, se te negligenciares, ele o chamará de baixeza de coração. A tua
alegria terá ele por dissolução e a tua mortificação por ânimo
carrancudo; e, olhando-te sempre com maus olhos, jamais lhe poderás
agradar.
As nossas imperfeições ele considera pecados, os nosso pecados
veniais ele julga mortais, e malícias, as nossas enfermidades; de sorte
que, assim como a caridade, na expressão de São Paulo, é benigna, o
mundo é maligno.
A caridade nunca pensa mal de ninguém e o mundo o pensa sempre de
toda sorte de pessoas; e, não podendo acusar as nossas ações, condena ao
menos nossas intenções. Enfim, tenham os carneiros chifres ou não,
sejam pretos ou brancos, o lobo sempre os há de tragar, se puder.
Procedamos como quisermos: o mundo sempre nos fará guerra. Se nos
demorarmos um pouco mais no confessionário, perguntará o que temos tanto
que dizer; e, se saímos depressa, comentará que não contamos tudo.
Espreitará todas as nossas ações e, por uma palavra um pouco menos
branda, dirá que somos insuportáveis. Chamará avareza o cuidado por
nossos negócios, e idiotismo a nossa mansidão.
Mas, quanto aos filhos do
século, sua cólera é generosidade; sua avareza, sábia economia; e suas
maneiras livres, honesto passatempo. É bem verdade que as aranhas sempre
estragam o trabalho das abelhas!
Abandonemos este mundo cego, Filoteia; grite ele quanto quiser, como
uma coruja para inquietar os passarinhos do dia. Sejamos firmes em
nossos propósitos, invariáveis em nossas resoluções e a constância
mostrará que a nossa devoção é séria e sincera. Os cometas e os planetas
parecem ter o mesmo brilho; mas os cometas, que são corpos passageiros,
desaparecem em breve, ao passo que os planetas reluzem continuamente.
Do mesmo modo, muito se parece a hipocrisia com a virtude sólida e só se
distingue porque aquela não tem constância e se dissipa como a fumaça,
ao passo que esta é firme e constante.
Demais, para assegurar os começos de nossa devoção, é muito bom
sofrer desprezos e censuras injustas por sua causa; deste modo nós nos
premunimos contra a vaidade e o orgulho, que são como as parteiras do
Egito, às quais o infernal Faraó mandou matar os filhos varões dos
judeus no mesmo dia de seu nascimento. Enfim, nós estamos crucificados
para o mundo e o mundo deve ser crucificado para nós. Ele nos toma por
loucos; consideremo-lo como um insensato.
Fonte: pt.aleteia.org
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