Entre as diversas
chaves de leitura do pontificado do Papa Francisco aquela mais falada e
presente nos seus discursos é a da misericórdia. É neste espírito que se
celebra um Ano Santo especialmente convocado em torno dessa expressão. O que se
deseja é lançar o pensamento em ao menos três direções: primeira, reconhecer
que Deus é misericórdia; segunda, receber a misericórdia de Deus em nossas
vidas; terceira, transformar-se em misericórdia.
Pode parecer até
banal dizer que Deus é misericórdia, porém esta afirmação é a mais difícil de
crer. Somos educados à visão de Deus como juiz e castigador, acreditar que Ele
é perdão pode ser fácil de dizer com a boca, contudo difícil de crer
verdadeiramente. Somos herdeiros de um catolicismo que pontuava o acento no
castigo mais do que na misericórdia talvez por esta se constituir em estratégia
evangelizadora pois semeando o medo seria mais fácil de prender os fieis
evitando o abandono da fé.
O Ano da
Misericórdia almeja também que cada pessoa faça a experiência de se sentir
perdoado por Deus já que o sentimento de culpa e a consideração exagerada dos
próprios defeitos e erros do passado exerce uma função paralisante que torna a
vida dos fiéis triste e mais concentrada no conceito negativo. Somente
mergulhados na misericórdia e a aceitando na nossa vida poderemos libertar-nos
de velhas amarras e prisões.
Ninguém que faz a
experiência da Misericórdia de Deus pode ficar indiferente. Ser imagem e
semelhança dele é também nos tornarmos sinais do seu perdão para os outros.
Neste sentido o Ano da Misericórdia se amplia para abraçar toda humanidade
porque se torna um jeito de ser, uma maneira de viver e um modo de existir. Daí
o lema que anima esta iniciativa: Sede misericordiosos como Deus é
misericordioso. Também na escolha desta expressão tem algo de renovador.
Durante muito tempo se insistiu na afirmação: sede santos como Deus é santo. Só
que no ideário católico associa-se a ideia de santidade àquela de ausência de
erros. E esse ideal muitas vezes gerou uma Igreja que se entendia como
sociedade de perfeitos com a prerrogativa de julgar e condenar todas as
pessoas, daí fria e distante, medrosa e assustada diante de um mundo visto como
hostil e ameaçador. A base do julgamento do próximo é sem dúvida a pretensão de
um modelo de perfeição. Como ninguém consegue ter uma vida irrepreensível
gera-se uma meta inatingível. Jesus prefere no Evangelho falar de ser
misericordioso mais do que perfeito. Não que ele recuse este ideal de
santidade, mas a entende de um modo bem diferente. Curiosamente não existe
antagonismo entre os dois e é essa a verdadeira perfeição, pois para ser
perfeito basta cumprir em tudo a regra, para ser misericordioso é preciso muito
mais.
Talvez ao nosso
leitor mais fiel possa parecer que mudamos o estilo de nossos artigos que
sempre versaram mais na análise da Igreja e na tentativa de uma leitura das
tendências presentes em sua estrutura. Esse seria um ledo engano. Quando se
fala de misericórdia e quando esta palavra é usada no contexto do papa
Francisco, não se está falando de um aspecto espiritualista e devocional como
alguns ingenuamente podem pensar. A misericórdia é um jeito de ser Igreja. Ou
seja, um novo modo (ao mesmo tempo tão antigo) de pensar a nossa identidade e
ação pastoral. A beleza dessa atitude é mudar também o modo como vemos o mundo
que nos circunda: menos ameaçador e mais irmão.
Padre João
Paulo de Araújo Gomes
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