Os momentos difíceis também fazem parte de uma história de amor
“Os casados – recordava São Josemaria – estão chamados a santificar o
seu matrimônio e a santificar-se a si próprios nessa união; por isso,
cometeriam um grave erro se edificassem a sua conduta espiritual de
costas para o lar, à margem do lar”
[1].Ninguém se casa para separar-se. Ninguém traz um filho ao mundo para
fazê-lo infeliz. E, no entanto, a realidade mostra diariamente situações
difíceis, não queridas, que parecem negar premissas tão evidentes como
estas.
Uma decisão que dá vertigem
Certamente, casar-se para sempre não é uma decisão fácil. Como todo compromisso definitivo, produz uma vertigem existencial. Porém, uma vez tomada, com plena consciência e determinação, a vertigem desaparece e transforma-se em segurança e alegria.
A liberdade falou, e o espírito atento descobre então um novo
horizonte de liberdade: não tem sentido deter-se no passado, pensando no
que se deixou para trás; o novo futuro descoberto oferece um panorama
de crescimento pessoal que a alma apaixonada se vê impelida a percorrer.
As rédeas do nosso amor estão agora em nossas mãos e não à mercê das
circunstâncias.
Naturalmente, não é um itinerário sem espinhos. Haverá dificuldades, que se intuem. Porém, depois desse sim
que não tem volta, percebe-se também a coragem para enfrentá-las. A
vida adquiriu sentido e descobre-se uma nova missão, que ilumina toda a
existência com uma luz nunca vista.
Alguns, por medo desses espinhos, tentam evitar amar com esta
profundidade de vida. É compreensível. O amor é paradoxal, pois por um
lado nos torna fortes para enfrentar as dúvidas, os obstáculos e os
conflitos que podem aparecer ao longo do caminho; porém, por outro lado,
nos torna frágeis, deixa os nossos pontos fracos desprotegidos. Quem
ama se expõe à dor, já que aqueles a quem amamos também podem fazer-nos
sofrer.
Certas técnicas ou filosofias orientais oferecem outro caminho: não
sintas e não sofrerás. No entanto, a ausência de dor não equivale à
felicidade. Quem ama se torna vulnerável, é certo. Porém, no matrimônio,
a vulnerabilidade, por ser recíproca, pode ser aceita sem medo:
entrego-me ao meu cônjuge e sei que meu cônjuge se entrega a mim. Minha
vulnerabilidade ganha força em suas mãos, e sua entrega fortalece-se nas
minhas.
A primeira condição para superar as dificuldades no casamento é não
surpreender-se com a sua chegada. São um terreno pelo qual nosso amor
terá de passar um dia. Como acontece ao subir uma montanha, quando a
meta é clara, as dificuldades fazem parte da travessia, e o desafio
consiste em usar inteligência e fortaleza para superá-las. Como disse o
Papa Francisco, os que enfrentam o casamento assim, são “homens e
mulheres, suficientemente intrépidos para levar este tesouro nos «vasos
de barro» da nossa humanidade” e “constituem um recurso essencial para a
Igreja e também para o mundo inteiro”
[2]. Podemos distinguir as dificuldades que podem surgir na vida
matrimonial e familiar em três grupos: as procedentes do ambiente, as
que vêm dos filhos e as que afetam o próprio casal. O caminho que sugiro
para superá-las é o mesmo nos três casos: unidade. Unidade familiar,
unidade conjugal e unidade pessoal.
Dificuldades do ambiente: unidade familiar
Por ambiente me refiro aqui ao círculo próximo, mas diferente da
família íntima. Podem ser problemas profissionais ou econômicos, a
doença de um pai ou uma mãe, controvérsias entre familiares ou amigos.
O critério seguro para enfrentar estas dificuldades, que por sua
própria diversidade não admitem soluções uniformes, é a unidade
familiar. A melhor maneira de enfrentá-las é integrando-as na dinâmica
familiar. Não deixar que atuem como um fator externo de desestabilização
pessoal.
Na família, as alegrias se multiplicam e as penas se dividem. Quando
as ameaças são exteriores à família, é a família inteira que deverá
enfrentá-las, contribuindo cada um com a sua participação e apoio, de
acordo com a sua capacidade e no nível que lhe compete. A unidade
familiar atua, além disso, como limite e critério para qualquer
proposta, solução ou enfoque que se estabeleça.
Em muitas ocasiões, estas dificuldades convertem-se em campo
especialmente propício para a educação das virtudes essenciais para o
desenvolvimento pessoal: confiança, humildade, sobriedade, ajuda mútua,
etc.
Dificuldades dos filhos: unidade conjugal
Quando os problemas procedem dos filhos, a solução passa sempre pela
unidade conjugal. Durante longos períodos, os filhos podem chegar a ser
uma fonte constante de conflito matrimonial.
Perante as dificuldades com os filhos, a primeira ocupação deve de
ser o nosso cônjuge, aumentar o nosso amor. Aconteça o que acontecer com
um filho, o caminho mais seguro para ajudá-lo a superar o seu conflito
pessoal é que perceba, com a maior evidência possível, o amor que seus
pais têm um pelo outro, além, naturalmente, do que têm por ele.
Depois virão os conselhos, as técnicas, o diálogo constante entre o
casal, o compromisso mútuo, a análise serena, a ajuda de profissionais e
todo o resto. Mas a primeira condição para dar segurança e critério aos
nossos filhos é o amor mútuo dos seus pais.
Se os nossos filhos percebem de maneira clara e convincente, quase
fisicamente, essa prioridade (o seu pai está em primeiro lugar; a sua
mãe está em primeiro lugar), já lançamos as bases para enfrentar de
forma eficaz o problema, seja do tipo que for.
Dificuldades no casamento: unidade pessoal
“O presente mais precioso que o casamento me trouxe foi esse impacto
constante de algo muito próximo e íntimo, ao mesmo tempo
incomparavelmente alheio, resistente – numa só palavra, real”[3], afirma
C.S. Lewis. Pode chegar o momento em que a relação matrimonial se turve
ou endureça. Diversas circunstâncias podem influenciar com maior ou
menor intensidade e extensão. Às vezes uma pequena gota – que talvez
faça derramar o copo – desencadeia a tempestade: “Um casal que começa a
brigar, a discutir… O marido e a mulher não têm razão nunca para brigar.
O inimigo da felicidade conjugal é a soberba”
[4] .Unidade pessoal equivale aqui a autenticidade de vida; integridade de
vida intelectual, volitiva, emocional, biográfica. Diante de qualquer
dificuldade na relação matrimonial, é preciso afastar a tentação de
romper com o que somos, com o que quisemos ser. Refazer a vida, sim, mas
com nossos próprios materiais, não com os de outro ou outra. O
compromisso matrimonial transformou-nos de modo radical e já não deveria
ser imaginável nossa vida sem ela ou sem ele.
Assim deve ser sempre. Com visão ampla, magnânima, com generosidade
de espírito. Não importa fazer um pouco de teatro no casamento, e forçar
a própria entrega quando o sentimento não acompanha. Como recordava São
Josemaria, referindo-o a Deus, temos o melhor espectador possível para
essa humilde atuação: nossa mulher, nosso marido; e o sentimento sempre
volta, se o soubermos chamar.
Fortalecer o amor significa torná-lo atual. Escolher todos os dias as
pessoas a que amamos: eu o amei hoje? Ele o percebeu? E depois voltar a
nós mesmos; só há uma pessoa que pode ajudar a melhorar a relação: eu
mesmo. Sou eu que preciso mudar e, então, com a nova visão que a minha
mudança me concede, ajudar a ele, ou ela, a mudar também. Quem deve de
dar o primeiro passo? A resposta não é nova: aquele que vê o problema,
ou seja, eu mesmo.
Quando se trata de renovar o amor, há uma virtude e uma conduta que
aparecem necessariamente: a humildade e o perdão. Humildade para
reconhecer os próprios erros, humildade para pedir ajuda quando
necessário, humildade para pedir perdão, humildade para conceder esse
perdão, e humildade para ser perdoado. E que seja um perdão humilde, não
altivo, generoso, compreensivo e oportuno, que saiba dizer sem
palavras: “eu preciso de você para ser eu mesmo”, como descreveu Jutta
Burggraf.[5].
Javier Vidal-Quadras
[1] É Cristo que passa, 23
[2] Papa Francisco, audiência 6/05/2015
[3] C. S. Lewis, A anatomia de uma dor
[4] São Josemaria, Anotações de uma reunião familiar, 1/06/1974
[5] J. Burggraf, “Aprender a perdonar”. Artigo publicado na revista Retos del futuro en educación. Madri 2004.
FONTE: Aleteia.org
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