23 de fevereiro de 2016

A Revolução da Misericórdia










Entre as diversas chaves de leitura do pontificado do Papa Francisco aquela mais falada e presente nos seus discursos é a da misericórdia. É neste espírito que se celebra um Ano Santo especialmente convocado em torno dessa expressão. O que se deseja é lançar o pensamento em ao menos três direções: primeira, reconhecer que Deus é misericórdia; segunda, receber a misericórdia de Deus em nossas vidas; terceira, transformar-se em misericórdia.

Pode parecer até banal dizer que Deus é misericórdia, porém esta afirmação é a mais difícil de crer. Somos educados à visão de Deus como juiz e castigador, acreditar que Ele é perdão pode ser fácil de dizer com a boca, contudo difícil de crer verdadeiramente. Somos herdeiros de um catolicismo que pontuava o acento no castigo mais do que na misericórdia talvez por esta se constituir em estratégia evangelizadora pois semeando o medo seria mais fácil de prender os fieis evitando o abandono da fé.

O Ano da Misericórdia almeja também que cada pessoa faça a experiência de se sentir perdoado por Deus já que o sentimento de culpa e a consideração exagerada dos próprios defeitos e erros do passado exerce uma função paralisante que torna a vida dos fiéis triste e mais concentrada no conceito negativo. Somente mergulhados na misericórdia e a aceitando na nossa vida poderemos libertar-nos de velhas amarras e prisões.

Ninguém que faz a experiência da Misericórdia de Deus pode ficar indiferente. Ser imagem e semelhança dele é também nos tornarmos sinais do seu perdão para os outros. Neste sentido o Ano da Misericórdia se amplia para abraçar toda humanidade porque se torna um jeito de ser, uma maneira de viver e um modo de existir. Daí o lema que anima esta iniciativa: Sede misericordiosos como Deus é misericordioso. Também na escolha desta expressão tem algo de renovador. Durante muito tempo se insistiu na afirmação: sede santos como Deus é santo. Só que no ideário católico associa-se a ideia de santidade àquela de ausência de erros. E esse ideal muitas vezes gerou uma Igreja que se entendia como sociedade de perfeitos com a prerrogativa de julgar e condenar todas as pessoas, daí fria e distante, medrosa e assustada diante de um mundo visto como hostil e ameaçador. A base do julgamento do próximo é sem dúvida a pretensão de um modelo de perfeição. Como ninguém consegue ter uma vida irrepreensível gera-se uma meta inatingível. Jesus prefere no Evangelho falar de ser misericordioso mais do que perfeito. Não que ele recuse este ideal de santidade, mas a entende de um modo bem diferente. Curiosamente não existe antagonismo entre os dois e é essa a verdadeira perfeição, pois para ser perfeito basta cumprir em tudo a regra, para ser misericordioso é preciso muito mais.

Talvez ao nosso leitor mais fiel possa parecer que mudamos o estilo de nossos artigos que sempre versaram mais na análise da Igreja e na tentativa de uma leitura das tendências presentes em sua estrutura. Esse seria um ledo engano. Quando se fala de misericórdia e quando esta palavra é usada no contexto do papa Francisco, não se está falando de um aspecto espiritualista e devocional como alguns ingenuamente podem pensar. A misericórdia é um jeito de ser Igreja. Ou seja, um novo modo (ao mesmo tempo tão antigo) de pensar a nossa identidade e ação pastoral. A beleza dessa atitude é mudar também o modo como vemos o mundo que nos circunda: menos ameaçador e mais irmão.

1040150216 Padre João Paulo de Araújo Gomes

0 comentários: